Livro - Jim Morrison: o poeta-xamã

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O dia em que conheci Jim Morrison

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segunda-feira, 30 de março de 2015

O que Jim Morrison nos ensina sobre sexo, o corpo e o amor


A sexualidade está emaranhada em uma gama de afetos inconscientes, fruto da própria configuração sociocultural que se delineia em nossa sociedade, tornando essa tendência  a precondição para uma vivência em desamparo, inconsciente  e vazia.

Em 68, Jim Morrison em meio a um arranjo na música The End, colhida da leitura de “A Origem a Tragédia”, de Nietzsche, declama:
- Father?
- yes son,
- I want to kill you
- Mother I want to fuck you
Muito antes de Jim Morisson escandalizar a sociedade, nesta inesquecível catarse performática no Holywood Bowl em Los Angeles, alguém já havia causado furor em uma época bem mais difícil: Freud, no início do século XX, perante uma platéia bem mais conservadora, que ainda vivia sob os ideais vitorianos - disciplina, moralidade e repulsa ao sexo. Mediante a crítica voraz da sociedade, dos médicos e até de alguns de seus seguidores: Freud apresentava suas teorias sobre a sexualidade, inconsciente e desenvolvimento da criança.
Entretanto, não era propriamente sobre o complexo de Édipo que Jim Morrison vocifera; era sobre o Édipo rei obra do dramaturgo grego Sófocles de 427 a.C. Em cuja história, o pai de édipo, rei de Tebas, Laio, havia sido alertado pelo Oráculo de Delfos que seu próprio filho o mataria e que este filho se casaria com a própria mãe, sua esposa Jocasta. Para evitar a maldição, Laio abandonou-o Édipo no monte Citerão pregando um prego em cada pé para tentar matá-lo. O menino foi encontrado mais tarde por um pastor e batizado como "Edipodos", o de "pés-furados", e foi adotado depois pelo rei de Corinto e voltou a Delfos.
Édipo consultou o Oráculo que lhe dá a mesma profecia dada a Laio - que mataria seu pai e desposaria sua mãe. Para evitar a maldição, Édipo, não sabendo que seus pais eram adotivos, foge da casa deles, para evitar que o inforúnio aconteça.No caminho, Édipo encontrou um homem e sem saber que era seu pai o matou, por um briga boba, de quem sairia da estrada para o outro passar.
 Após derrotar a Esfinge que aterrorizava Tebas, Édipo seguiu a sua cidade natural e casou-se, "por acaso", com sua mãe biológica, com quem teve quatro filhos. Quando consulta novamente o oráculo, por conta de uma peste, Jocasta e Édipo descobrem que são mãe e filho, ela comete suicídio e ele fura os próprios olhos por ter estado cego e não ter reconhecido a própria mãe.
Qual o significado dessa emblemática cena perpetrada por JIM?

Cometer parricídio, cometer o incesto, (arrancar os próprios olhos), vencer a esfinge, que significa tudo isso?

Nietzsche responde completamente a questão.

“Édipo que mata o pai” – afirma Nietzsche – “Édipo que casa com a mãe, Édipo que vence a esfinge! Que significa para nós a tríade misteriosa destas ações fatais? Segundo uma antiqüíssima crença popular, de origem persa, o adivinho ou mago só pode nascer de um incesto. Em relação a Édipo, que decifrou o enigma e que possui a mãe, podemos apresentar esta interpretação: quando por uma força mágica e fatídica, se rasga o véu do futuro, se espezinha a lei de individuação, se faz violência ao mistério da natureza, há de ser a causa qualquer monstruosidade antinatural, como o incesto. Pois, como será possível forçar a natureza a desvendar os seus segredos, senão por processos violentos, quer dizer, por ações antinaturais? Nesta horrível tríade dos destinos de Édipo reconheço a marca evidente desta verdade: aquele que decifrar o enigma da natureza, que é a esfinge híbrida, há de também, como assassino do pai e marido da mãe, desrespeitar as sagradas leis da moral. Sim, o mito parece murmurar aos nossos ouvidos que a sabedoria, e precisamente a sabedoria dionisíaca, é uma abominação antinatural; quem, pela sua ciência, precipitar a natureza no abismo do não ser, há-de esperar o momento de experimentar também os efeitos da desintegração. A lança da sabedoria volta-se contra o sábio; a sabedoria é um crime contra a natureza, eis o que o mito nos clama com as suas palavras terríveis”(O Navio de Cristal - Uma Interpretação da Vida e das Obras literária e Musical de Jim Morrison, 2009).
Jim Morrison era leitor de Nietzsche, leu toda a sua obra. Sartre, Heidegger, Rousseau, Montaigne, leu os poetas modernistas franceses Rimbaud e Baudelaire, o futurista Aldous Huxley, Balzac, Celine, Gérard de Nerval, Colin Wilson, Camus, Eats, Joyce. Além de, claro, muito sexo, psicodelia  e rock’roll. A aura dos anos 60 foi criativa, turbulenta, revolucionaria dos costumes e valores, psicodelismo, liberação sexual e idéias políticas fervilhavam na mente de uma geração que queria mudar o mundo. E mudou, mas não só pela rebeldia da juventude, mas uma soma de fatores culturais, científicos, históricos e políticos que permitiu a queda dos valores patriarcais, de onde decorreram muitas das transformações sociais do nosso mundo contemporâneo.
Considerado pela crítica como a reencarnação de Dionísio, Jim Morrison foi até o fundo com sua possessão pagã. Seu show trazia elementos ritualísticos, citações de fragmentos de rituais pagãos ancestrais, cheios de magia, ritmo e expressão corporal, impossível sair ileso da sedução lisérgica de seu show. Um líder totêmico não-castrado, mito da revolução sexual, que procurava a liberdade e a confirmação da vida numa busca incessante  por um estado mais elevado.
Jim Morrison foi uma das figuras mais emblemáticas da revolução sexual e um mito do Rock, se autodenominava deus do sexo. Muitas das letras retratam os delírios lisérgicos do jovem, mas quero destacar aqui as pérolas das letras do "The Doors".
“Você tem que excitar minha alma, isso aí Role, role, role, role Excite minha alma” (Road House Blues)
“Vocês homens comem seus jantares Comem seus feijões com carne de porco Eu como mais galinha Que qualquer homem jamais viu, sim, sim Eu sou um homem da porta dos fundos Os homens não sabem Mas as garotinhas entendem” (Back door man)
“Meu amor selvagem é louco Ela grita como um pássaro Ela geme como um gato Quando quer ser ouvida Meu amor foi cavalgar Ela cavalgou por uma hora Ela cavalgou e descansou E então continuou cavalgando Cavalgue, vamos” (Wild Love)
Jim Morrison procurava desnudar essa realidade asfixiante, repressora, conservadora e traumática, traumática para os valores vitorianos, traumático para o puritanismo estadunidense, traumático para as promessas de amor que nunca se confirmam dentro dessa “arena” repressora. O sexo, para desabrochar em suas latitudes, precisa que haja o espaço livre para expressar os esponsais que consagram a sua natureza sagrada. O poeta/Dionisio exalta:
Precisamos de lentas e douradas copulações”.  
Mas o enigma da sexualidade não corresponde aos ideiais propostos pela sociedade “conservadora”. E é por estar assentada nesse modelo de sociedade conservadora, produtora do vértice das condições propiciadoras de mal-estar aos sujeitos que estamos submetidos no nosso cotidiano. As infinitas tramas que decorrem desta cláusula vai tecendo a vida, as escolhas, as condutas, e nosso destino.
Entretanto, o mais bonito disso tudo é que cada um tem um universo particular que determina suas escolhas, não há padrão no campo da sexualidade. Doa a quem doer, somos faíscas magnéticas soltas por aí encontrando pares, que vão se unir mais pelo encaixe sintomático que fazem do que pelo que a sociedade inventou para uma vivência em desamparo e de escasso prazer. Para terminar, cito um belíssimo trecho de Jim Morrison que suavemente aponta o problema.

“O corpo revela a verdade”, afirma Jim, “mas está tão emaranhado em regras que dificilmente conseguimos encontrá-lo. Atamo-nos fortemente com mentiras. Como amar se as pessoas têm medo de sentir? Muita gente anda tão ocupada que não consegue mais sentir”.
Entretanto, Jim Morrison, o poeta/xamã, nutrido pelos apelos do deus Eros, ele avança e invoca todas as condição para uma vivência dionisíaca .
O amor se esconde nos lugares mais estranhos
O amor se esconde em rostos conhecidos
O amor aparece quando você menos espera
O amor se esconde na esquina mais próxima
O amor aparece àqueles que o procuram
O amor se esconde dentro do arco-íris
O amor se esconde em estruturas moleculares
O amor é a resposta
 Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.”

Postado por Ana Welt

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