Wake up! Cavaleiros da
tempestade chegaram para escancarar as portas, arrancá-las das dobradiças,
reduzí-las a pó. A energia poética, primordial, comprometida, circulou pelos
centros nervosos, percorreu as mentes e os espíritos, os corpos flutuaram como
véus imaculados, animados por uma onda intensa e mágica, à espera do sol, do amor
novo, do amor vivo, percorrendo as vias que levam à liberdade. Imóveis, na zona
mais escura do cinema, somos todos «voyeurs» e projetamo-nos nas personagens,
nos desertos, nos lagartos, nas auto-estradas, encontramos por fim na
encruzilhada, lugar onde todos têm seus encontros marcados com as nossas infindáveis
decisões: que caminho seguir?
Sabemos que além do nosso
horizonte existe outra dimensão, o mistério ultrapassa a nossa compreensão, o
impossível seduz. O yoga, sempre o yoga. O xadrez ronda a perfeição, o yoga é
eterno e constante na sua busca da luz, nada mais importa, todo o movimento é
um gesto de passagem imortalizado — quero consumir-me agora em toda a minha
plenitude, extinguir-me no êxtase absoluto, regressar ao corpo donde vim. Xamã
vidente, índio de olhar profundo como a noite, homem em transe, animal que
ritualiza para descobrir os mistérios da vida no reverso da iniciação da morte.
Tenho a idade que tenho e
quero estar na cidade dos possessos, dançar, fazer amor e erguer um novo
campanário, beber o vinho que nos foi prometido, quero o mundo e quero-o agora!
O mundo em chamas... Vocês tiveram uma colossal opinião pública, uma Califórnia
florida a dançar, políticos e generais a assistirem à derrota pela TV, tiveram
Woodstock. Nós tivemos % Mouros a iluminar um país há demasiado tempo cinzento
e apático e um grupo de capitães com audácia, tomates e cravos. Devolveram-nos
a nós e dançamos com o volume no máximo.
Segue-me, vem incendiar os
caminhos com o fogo da dança que trazemos nos nossos pés; vamos correr, abrir
para o outro lado! Édipo nos espera no limiar da auto-estrada, Antígona e as
Bacantes organizaram um festim em nossa honra. Vamos violar, saquear, santificar o anfiteatro
— Genet, Poe, Blake e Huxley dançam os Sátiros, é um sacrifício ritual, o
festim dos inocentes, a catarse de Nietzsche e Brecht advertem as novas
gerações para o recrudescer do fascismo. Shiva lembra-nos que é preciso
destruir para renascer. O mundo em chamas.
Isto não é o fim, meus irmãos,
as portas estão por todos os lados, nos palácios ministérios, nos teatros, nas
prisões, nos santuários... É entrar,
meus senhores, é entrar se se têm coragem! Sair bem, é só para quem souber seguir o fio de Ariadne.
— Estás do outro lado, finalmente,
com outros cavaleiros, esqueceste a tempestade... Havia uma mulher, não, havia
muitas mulheres; houve cidades, muitas cidades; houve Fogo. Um fogo na praia,
tocado pelo vento do Pacífico, e houve a Vontade. A Vontade disse diz, e tu
disseste. A Vontade disse canta, e tu cantaste. A Vontade disse grita, e tu
gritaste. Foste então senhor do templo, rei lagarto. Até que a Vontade
chamou-te de volta ao reverso da vida. A passagem estreita se abriu. Entraste e
encontrou a eternidade. Outras folhas juntam-se as primeiras, engrossam o
monte, que mais forte rodopia e se afasta trauteando — isto era o que se dizia
como o Fim, meu solitário amigo, o Fim, mas é só mais um começo.
Artigo de Jorge de Palma e
Ana Welt