Livro - Jim Morrison: o poeta-xamã

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O dia em que conheci Jim Morrison

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sábado, 9 de maio de 2015

Jim Morrison - catarse e drama edipiano em The End

Testar os limites da realidade, a expressão que Jim Morrison utilizava como um mantra! A alquimia musical da banda norte-americana dos anos 60, The Doors, criou um estilo único e inimitável. A fusão de Rock com poesia, adicionando uma dose de teatro e outra de cinema. Com uma sonoridade estranha, extática e sinistra, todos os quatro integrantes da banda tinham consciência do poder que a música possui de despertar os sentimentos e afetar as emoções.

As teorias sobre confronto, do surrealista francês Artaud, exerceram profunda influência sobre a obra do The Doors, bem como sobre as performances de Jim. Na tese ‘O teatro e seu duplo’, Artaud reflete sobre como a arte dramática consegue levar o espectador a uma espécie de catarse. A intenção é aterrorizar o espectador até que ele desperte, fazer com que este perceba que antes estava morto e que após a experiência venha o despertar. Para Aristóteles, um dos fundadores da filosofia ocidental, CATARSE é a purificação da alma através de uma descarga emocional provocada pelo drama.
A transformação que Morrison consegue proporcionar, é a mesma descrita por Aristóteles: “Os festivais de mistério são eventos inesquecíveis, projetam suas sombras sobre toda a vida futura das pessoas criando experiências que transformam a existência.” Na descrição do historiador grego e filósofo platônico, Plutarco: “Vagando perdido na escuridão, por caminhos assustadores que não levam a lugar algum, e então diante do fim de todas as coisas terríveis, pânico e espanto (...) o iniciado se liberta, fica livre de toda a escravidão e segue vagando, celebrando o festival com outras pessoas puras e sagradas e olha com superioridade para os não iniciados”.
Jim estava ciente de que por mais aterrorizante que possa ser, é através do confronto com o medo, que se alcança a liberdade. Após enfrentar o medo, você se liberta! O herói de Dante em sua jornada precisou atravessar o “Bosque Sombrio”. O objetivo é se conectar a vida confirmando a existência, atravessar o inferno para chegar ao paraíso. Morrison nos conduz a uma espécie ímpar de ritual! Abrir portas para outras dimensões, até então desconhecidas ou apenas adormecidas...
A música “The End” é muito mais complexa do que hits como, “Hello, I Love You”, “Touch Me” ou mesmo a frenética “Light My Fire”. O drama edipiano pertence à mesma categoria de músicas como “Celebration Of The Lizard”, “The Soft Parade” e “When The Music’s Over”, reunindo elementos místicos, símbolos atemporais com poder evocativo, imagens poéticas que conseguem fotografar o “Pensamento Universal”.
A canção “O Fim” nasceu com apenas dois versos, entretanto a cada apresentação, Morrison acrescentava e modificava diversos versos. A consolidação ocorreu em uma noite que entrou para História do Rock, após tomar inúmeras doses de ácido lisérgico, Jim foi até o palco, se apoiou no pedestal do microfone, a cabeça inclinada, os olhos fechados, e então a voz de Morrison começa com um tom fatalista de despedida, um lamento, confrontando a única certeza de quem vive:
“Este é o fim, caro amigo / Este é o fim, meu único amigo / O fim, dos nossos elaborados planos / O fim, de tudo o que foi firme / O fim, sem escapatória ou surpresa / O fim... Eu nunca mais olharei nos seus olhos, de novo
Você consegue imaginar / Como será? Tão ilimitado e livre
Desesperadamente precisando / Da ajuda de algum estranho / Em um mundo desesperador!”
A mítica serpente que aparece na música “Celebração ao Lagarto” também aparece aqui. De modo geral, a serpente pode simbolizar energia, força e regeneração e a característica “troca” de pele, é tida como um símbolo de e renovação e renascimento. Em relação ao simbolismo maligno que possui no cristianismo, a serpente assume uma postura desafiadora e perturbadora. Entretanto no Oriente Médio, a serpente é uma antiga divindade referente à sabedoria. No gnosticismo a imagem da serpente representa a incorporação da sabedoria transmitida pela deusa Sophia. Na Índia, ela é a guardiã das fontes da vida e da imortalidade, e dos tesouros espirituais. Pode simbolizar o que seria a "sabedoria das profundezas", um acesso ao inconsciente. Dentro da cultura Maia, no ritual da “Serpente Visão”, o objetivo está em experimentar visões, e conforme esta crença, tais visões se tornariam uma serpente gigante, que é a passagem para o reino do espírito, um elo direto entre o reino espiritual e o mundo físico. Jim quase que sussurra: “Ride the snake...”
A voz melancólica de Morrison, as pausas entre as sílabas, somadas a sonoridade hipnótica da banda, seguem em uma cavalgada psicodélica. Posteriormente é feito o prenúncio:
O ônibus azul... Está nos chamando / Motorista, para onde está nos levando?”
Jim nos conduz a uma cena dramática isolada no tempo, uma tragédia edipiana, recitando os chocantes versos, que compuseram a partir daquela noite a versão final da música:
“O assassino acordou antes do amanhecer / Calçou as suas botas / Pegou uma foto da antiga galeria / E andou pelo corredor! / Entrou no quarto da sua irmã / Então ele... Fez uma visita ao seu irmão / E então ele... Andou pelo corredor e... / Foi até a porta, e olhou para dentro / -Pai?! - Sim, filho?! -Eu quero te matar. -Mãe?! Eu quero... Foder você!”
Após a próxima parte, os sons começam a reproduzir um trem desgovernado, uma cavalgada intensa e caótica, com Morrison gemendo sôfrego ao fundo, encenando no ritmo da música, golpes de cólera ou o ato sexual propriamente dito. Passada esta parte, retorna a atmosfera de mistério do início, trazendo consigo os marcantes versos:
“Dói te libertar, mas você nunca me seguiria / O fim das gargalhadas e das mentiras inocentes / O fim das noites em que nós tentávamos morrer...”
Existem inúmeras, diversas interpretações para essa canção, mas Jim, baseado nas teorias de Freud, descreveu uma delas como sendo uma despedida da infância.
O genial filósofo e poeta alemão, Friedrich Nietzsche descreve no livro ‘O Nascimento Da Tragédia’, a visão de Sófocles sobre o drama edipiano, onde Édipo representa “o personagem mais triste do palco grego”. Nas palavras de Nietzsche: “Entretanto, através dos seus indescritíveis sofrimentos, em última análise, Édipo exerce um efeito mágico e curador sobre todos à sua volta, e este efeito persiste mesmo após sua morte”.
Às pessoas limitadas a um entendimento literal, que por impossibilidade ou desconhecimento não compreendem os versos de Morrison, o tecladista Ray Manzarek, responde: "Jim deu voz, nos moldes rock, para a obra de Sófocles, Édipo Rei, em tempos de extensas discussões sobre tendências Freudianas na psicologia. Ele NÃO disse que queria fazer aquilo com os próprios pais. Ele estava encenando um trecho da dramaturgia grega. Isso era teatro!".
OBS: A tradução não contém a letra da música na íntegra, traduzi apenas as partes que interessaram ao propósito do texto.


Artigo de GABRIELA SATORI LANDIM 

terça-feira, 5 de maio de 2015

Jim Morrison - a metáfora do deserto e a vulgata dos pigmeus



Jim Morrison foi o primeiro a perceber a dimensão religiosa dos concertos ao vivo. Morrison não fazia mais que afirmar o óbvio. Todo o rock n'roll, suponho que ninguém duvida, deriva da soul music praticada nas igrejas negras americanas. Esses meetings entre o pagão e o cristão têm origem na grande diáspora da escravatura africana. Ou seja, a velha cultura xamânica negra remixada pelos MC's do cristianismo WASP. Ora, Morrison era uma espécie de xamã elétrico que buscou no deserto, com a ajuda de ácido, a mesma revelação mística que o Nazareno buscou noutro deserto através do jejum. Aliás, pese a heresia para alguns crentes que só conhecem das Escrituras o que a vulgata do Vaticano lhes impinge todos os domingos, Jim Morrison deve todo o seu imaginário ao Novo Testamento que, sem tirar nem pôr, nos legou um conceito tão cristão quanto beatnik: viver depressa, morrer jovem e deixar um cadáver bonito. 

Entre a revelação no deserto e a crucificação em Jerusalém decorrem escassos três anos. Do primeiro «The Doors» em 1967, até ao último «L.A. Woman» em 1971, decorrem escassos quatro anos. Um tinha trinta e três anos quando foi crucificado, o outro tinha vinte e sete quando morreu com uma overdose de vida. Está bem, Jim Morrison não deixou um cadáver lá muito bonito. Morreu demasiado inchado, como qualquer alcoólico que se preze. Mas morreu rindo, completamente nu, na banheira do seu apartamento número 17 da Rue Beautreillis, enquanto Pamela Courson, no quarto ao lado, tentava tratar Deus por tu através de uma seringa hipodérmica de 3 cc. com aquilo a que, umas décadas antes, a respeitável Bayer cognominara — racional e germanicamente — de Heroína. 

Artigo de José Xavier Ezequiel

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