A
sexualidade está emaranhada em uma gama de afetos inconscientes, fruto da própria configuração
sociocultural que se delineia em nossa sociedade, tornando essa tendência a precondição para uma vivência em desamparo,
inconsciente e vazia.
Em 68,
Jim Morrison em meio a um arranjo na música The End, colhida da leitura de “A
Origem a Tragédia”, de Nietzsche, declama:
- Father?
- yes
son,
- I want
to kill you
- Mother
I want to fuck you
Muito antes de Jim Morisson
escandalizar a sociedade, nesta inesquecível catarse performática no Holywood
Bowl em Los Angeles, alguém já havia causado furor em uma época bem mais
difícil: Freud, no início do século XX, perante uma platéia bem mais conservadora,
que ainda vivia sob os ideais vitorianos - disciplina, moralidade e repulsa ao
sexo. Mediante a crítica voraz da sociedade, dos médicos e até de alguns de
seus seguidores: Freud apresentava suas teorias sobre a sexualidade, inconsciente
e desenvolvimento da criança.
Entretanto, não era propriamente
sobre o complexo de Édipo que Jim Morrison vocifera; era sobre o Édipo rei obra
do dramaturgo grego Sófocles de 427 a.C. Em cuja história, o pai de édipo, rei
de Tebas, Laio, havia sido alertado pelo Oráculo de Delfos que seu próprio
filho o mataria e que este filho se casaria com a própria mãe, sua esposa
Jocasta. Para evitar a maldição, Laio abandonou-o Édipo no monte Citerão
pregando um prego em cada pé para tentar matá-lo. O menino foi encontrado mais
tarde por um pastor e batizado como "Edipodos", o de
"pés-furados", e foi adotado depois pelo rei de Corinto e voltou a
Delfos.
Édipo consultou o Oráculo que lhe
dá a mesma profecia dada a Laio - que mataria seu pai e desposaria sua mãe.
Para evitar a maldição, Édipo, não sabendo que seus pais eram adotivos, foge da
casa deles, para evitar que o inforúnio aconteça.No caminho, Édipo encontrou um
homem e sem saber que era seu pai o matou, por um briga boba, de quem sairia da
estrada para o outro passar.
Após derrotar a Esfinge que
aterrorizava Tebas, Édipo seguiu a sua cidade natural e casou-se, "por
acaso", com sua mãe biológica, com quem teve quatro filhos. Quando
consulta novamente o oráculo, por conta de uma peste, Jocasta e Édipo descobrem
que são mãe e filho, ela comete suicídio e ele fura os próprios olhos por ter
estado cego e não ter reconhecido a própria mãe.
Qual o significado dessa emblemática cena
perpetrada por JIM?
Cometer parricídio, cometer o incesto, (arrancar os próprios olhos), vencer a esfinge, que significa tudo isso?
Nietzsche responde completamente a questão.
Cometer parricídio, cometer o incesto, (arrancar os próprios olhos), vencer a esfinge, que significa tudo isso?
Nietzsche responde completamente a questão.
“Édipo que mata o pai” – afirma Nietzsche – “Édipo que casa com a mãe, Édipo
que vence a esfinge! Que significa para nós a tríade misteriosa destas ações
fatais? Segundo uma antiqüíssima crença popular, de origem persa, o adivinho ou
mago só pode nascer de um incesto. Em relação a Édipo, que decifrou o enigma e
que possui a mãe, podemos apresentar esta interpretação: quando por uma força
mágica e fatídica, se rasga o véu do futuro, se espezinha a lei de
individuação, se faz violência ao mistério da natureza, há de ser a causa qualquer
monstruosidade antinatural, como o incesto. Pois, como será possível forçar a
natureza a desvendar os seus segredos, senão por processos violentos, quer
dizer, por ações antinaturais? Nesta horrível tríade dos destinos de Édipo
reconheço a marca evidente desta verdade: aquele que decifrar o enigma da
natureza, que é a esfinge híbrida, há de também, como assassino do pai e marido
da mãe, desrespeitar as sagradas leis da moral. Sim, o mito parece murmurar aos
nossos ouvidos que a sabedoria, e precisamente a sabedoria dionisíaca, é uma
abominação antinatural; quem, pela sua ciência, precipitar a natureza no abismo
do não ser, há-de esperar o momento de experimentar também os efeitos da
desintegração. A lança da sabedoria volta-se contra o sábio; a sabedoria é um
crime contra a natureza, eis o que o mito nos clama com as suas palavras
terríveis”(O Navio de Cristal - Uma Interpretação da Vida e das Obras literária
e Musical de Jim Morrison, 2009).
Jim Morrison era leitor de Nietzsche, leu toda a sua obra. Sartre, Heidegger, Rousseau, Montaigne, leu os poetas modernistas franceses
Rimbaud e Baudelaire, o futurista Aldous Huxley, Balzac, Celine, Gérard de Nerval, Colin Wilson, Camus, Eats, Joyce. Além de,
claro, muito sexo, psicodelia e rock’roll.
A aura dos anos 60 foi criativa, turbulenta, revolucionaria dos costumes e
valores, psicodelismo, liberação sexual e idéias políticas fervilhavam na mente
de uma geração que queria mudar o mundo. E mudou, mas não só pela rebeldia da
juventude, mas uma soma de fatores culturais, científicos, históricos e
políticos que permitiu a queda dos valores patriarcais, de onde decorreram muitas
das transformações sociais do nosso mundo contemporâneo.
Considerado pela crítica como a
reencarnação de Dionísio, Jim Morrison foi até o fundo com sua possessão pagã.
Seu show trazia elementos ritualísticos, citações de fragmentos de rituais
pagãos ancestrais, cheios de magia, ritmo e expressão corporal, impossível sair
ileso da sedução lisérgica de seu show. Um líder totêmico não-castrado, mito da
revolução sexual, que procurava a liberdade e a confirmação da vida numa busca
incessante por um estado mais elevado.
Jim Morrison foi uma das figuras
mais emblemáticas da revolução sexual e um mito do Rock, se autodenominava deus
do sexo. Muitas das letras retratam os delírios lisérgicos do jovem, mas quero
destacar aqui as pérolas das letras do "The Doors".
“Você tem que excitar minha alma,
isso aí Role, role, role, role Excite minha alma” (Road House Blues)
“Vocês homens comem seus jantares
Comem seus feijões com carne de porco Eu como mais galinha Que qualquer homem
jamais viu, sim, sim Eu sou um homem da porta dos fundos Os homens não sabem
Mas as garotinhas entendem” (Back
door man)
“Meu amor selvagem é louco Ela
grita como um pássaro Ela geme como um gato Quando quer ser ouvida Meu amor foi
cavalgar Ela cavalgou por uma hora Ela cavalgou e descansou E então continuou
cavalgando Cavalgue, vamos” (Wild Love)
Jim Morrison procurava desnudar
essa realidade asfixiante, repressora, conservadora e traumática, traumática para
os valores vitorianos, traumático para o puritanismo estadunidense, traumático
para as promessas de amor que nunca se confirmam dentro dessa “arena”
repressora. O sexo, para desabrochar em suas latitudes, precisa que haja o
espaço livre para expressar os esponsais que consagram a sua natureza sagrada.
O poeta/Dionisio exalta:
“Precisamos de lentas e douradas
copulações”.
Mas o enigma da sexualidade não
corresponde aos ideiais propostos pela sociedade “conservadora”. E é por estar
assentada nesse modelo de sociedade conservadora, produtora do vértice
das condições propiciadoras de mal-estar aos sujeitos que estamos submetidos no
nosso cotidiano. As
infinitas tramas que decorrem desta cláusula vai tecendo a vida, as escolhas,
as condutas, e nosso destino.
Entretanto, o mais bonito disso
tudo é que cada um tem um universo particular que determina suas escolhas, não
há padrão no campo da sexualidade. Doa a quem doer, somos faíscas magnéticas
soltas por aí encontrando pares, que vão se unir mais pelo encaixe sintomático
que fazem do que pelo que a sociedade inventou para uma vivência em
desamparo e de escasso prazer. Para terminar, cito um belíssimo trecho de Jim Morrison que suavemente
aponta o problema.
“O corpo revela a verdade”, afirma Jim, “mas está tão emaranhado em regras que
dificilmente conseguimos encontrá-lo. Atamo-nos fortemente com mentiras.
Como amar se as pessoas têm medo de sentir? Muita gente anda tão
ocupada que não consegue mais sentir”.
Entretanto, Jim Morrison, o poeta/xamã, nutrido pelos apelos do deus Eros, ele avança e invoca todas as condição para uma
vivência dionisíaca .
O amor se esconde nos
lugares mais estranhos
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz
que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pela
maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se
espera.
Você ama aquela petulante. Você
escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou
a seco.”
Postado por Ana Welt