Livro - Jim Morrison: o poeta-xamã

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O dia em que conheci Jim Morrison

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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Feast of Friends - imagens do conhecimento e surpresas


ASSISTI AO DOCUMENTÁRIO: The Doors FEAST OF FRIENDS - Impressiona a qualidade das imagens[Blu-ray] recuperadas. O documentário não tem uma linha, não tem enredo. Não tem um diretor. "Ele se faz por si só", como disse Jim.

No inicio da primeira parte [na parte das imagens em preto e branco], o narrador diz que "eles o têm como poeta, profeta e político".

O documentário segue mostrando imagens de protestos e confrontos. Era uma época de muitos protestos, de enfrentamento do "Establishment e sua força repressora, tentando impedir as pessoas de abrirem as portas da percepção", como disse Ray Manzarek em seu livro. As cenas mostram políticos famosos na época: Ronald Reagan e seu discurso moral contra os hippies [isso está bem detalhado nos livros de Manzarek e Densmore]; de Nixon, aquele que pediu uma cruzada em todo pais pela decência[depois do show em Miame], mas ele mesmo teve de renunciar por causa de envolvimento no escândalo no caso Watergate.

Outra cena que me chamou a atenção é quando a câmera segue por um cemitério enorme, enquanto se ouve a música ‘The Unknown Soldier’.

Uma famosa entrevista de Jim, quando ele fala que gostaria de fazer uma música que fosse a pura “expressão da alegria”. Uma música que fosse a mais clara “celebração da existência”. Tão fina e intensa como “a chegada da primavera”... E segue numa reflexão filosófica sobre a existência, de estar no mundo e de não se sentir nunca em casa, nunca relaxado. John, no final do seu livro, comenta essa passagem. Diz que Jim nunca se sentiu em casa. Ou seja, é algo puramente existencial.

Mais cenas virão. Os Doors no metrô, Doors num show com forte presença de estudantes, mais passeio de metrô, e show com as mais belas imagens de “moonlight drive”.

Uma passagem muito curiosa e muito interessante é a conversa que Jim teve com um pastor protestante. Um pastor muito curioso. O que leva um pastor de uma Igreja a procurar Jim Morrison? O que ele queria? Bem, muitas coisas podem fazer sentido. Uma: Jim chamava a atenção da imprensa, como diz Ray, por ele ser chamado de “o rei lagarto” e “rei do rock orgástico”, ou, como diz Jonh, “o poeta-padre, como eles dizem”. Mas tem também o fato de The Doors ser uma banda diferente de todas as demais. Melhor dizendo, não há nenhuma parecida ou “fazendo coisa igual”, como disse Ray. Suas músicas chamam a atenção. Pode ser que o pastor estivesse querendo converter Jim? Não é o que mostra a conversa entre eles.

O pastor demarca bem por onde quer seguir. Inicia falando da “experiência dos discípulos” e, ao que parece, quer ligar isso a uma forma de comunicação. Parece querer extrair daí um sentido paro o inicio da sua conversa com Jim. Jim, “extremamente interessado em qualquer assunto e no conhecimento” como diz Ray, John e suas biografias, diz que “pode tentar explicar qualquer coisa”. Jim diz ao pastor que num show dos Doors, busca-se convocar as pessoas para “uma espécie de experiência religiosa”. O pastor parece gostar dessa definição de Jim. Jim continua levando o raciocínio ao inicio da conversa, que é a “comunicação”. Diz que uma multidão em um show dos Doors torna possível uma forma de “comunicação” dentro de determinado “momento”.

Jim continua levando a conversa para um nível mais ...elevado. As coisas podem ser explicadas, “qualquer coisa”; e, como deixou bem caracterizado, Jim está enveredando, ao que parece, pela ideia do inconsciente [podemos pensar também as questões dos sonhos em Shakespeare, em Borges, em Schopenhauer, todos de seu conhecimento], quando diz ao pastor que “cinqüenta por cento é físico”. E o resto? Como na psicologia/psicanálise, só sabemos daquele pouco que mostra a ponta do Iceberg, a “consciência”. O restante nós não temos conhecimento, porque está mergulhado nas profundezas do “inconsciente”, mas que se mostra de uma forma nada convencional e/ou lógico. Porém, como explicar o resto? Qual é sua natureza? Jim continua. Diz bem à maneira shakespeariana: “Há um outro elemento inteiro do teatro” que não é físico, mas que é tão real para nós e que e se junta para formar o inteiro.

O pastor parece acompanhar o que Jim está tentando fundamentar em sua explicação. Mas o pastor, pelo que vemos, já não o acompanha no raciocínio. Parece faltar repertório [conhecimento] para fazer a conversa seguir, fluir. Recolhe-se para mais próximo daquilo que ele recebeu dos seus superiores: “a vulgata teológica”. Ou seja, uma teologia mais superficial e sem o acompanhamento dos outros saberes. A conversa perde fôlego e o pastor fica com a impressão de que precisa conversar mais com aquele homem “tão culto”. Quer saber como fazer para manter contato com Jim.

Jim passa o endereço e, sem mais, ele se despende do pastor, sempre bem ao seu jeito, segundo Ray. Educado, cortês e polido.

Seguindo em frente, mais um grande show. Acontece um incidente. Alguém atira uma cadeira numa moça e fere seu rosto. Jim, bem humorado e conciliador, pede calma e lembra para não esquecerem que estamos numa “democracia”.

Depois, a partir de dentro de um avião, Jim recita um lindo poema seu. Profundo! Da vastidão dos céus, nuvens com bordas fofas e escuras, o mar, a voz de Jim:

Air, Eatrh, Fire, Water,
Mothers, Fathers, Sons and Daughters.
It has been said
That on birth we are trying to find
A proper womb
For the growth of our Buddha nature
And that on dying
We find a womb
In the tomb of the earth.

Uma outra cena maravilhosa. Jim tocando uma Ode a Nietzsche. Maravilha.
Finaliza com uma magistral performance de The End, onde Jim encena passagens quase imperceptíveis para quem não conhece o teatro inspirado em Nietzsche e Kierkegaard. MAGNIFICO. Coube tudo ali. Até o “inocente” John faz uma descrição estupenda desse show, mostrando alguns pontos da cena que muita gente não chegou a ver ou não percebeu. Um verdadeiro teatro - não no sentido grego - de inspiração e força nietzschianas.


Resenha de Valquiria Asche de Paula 

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