ASSISTI
AO DOCUMENTÁRIO: The Doors FEAST OF FRIENDS - Impressiona a qualidade das
imagens[Blu-ray] recuperadas. O documentário não tem uma linha, não tem enredo.
Não tem um diretor. "Ele se faz por si só", como disse Jim.
No
inicio da primeira parte [na parte das imagens em preto e branco], o narrador
diz que "eles o têm como poeta, profeta e político".
O
documentário segue mostrando imagens de protestos e confrontos. Era uma época
de muitos protestos, de enfrentamento do "Establishment e sua força
repressora, tentando impedir as pessoas de abrirem as portas da
percepção", como disse Ray Manzarek em seu livro. As cenas mostram
políticos famosos na época: Ronald Reagan e seu discurso moral contra os
hippies [isso está bem detalhado nos livros de Manzarek e Densmore]; de Nixon,
aquele que pediu uma cruzada em todo pais pela decência[depois do show em
Miame], mas ele mesmo teve de renunciar por causa de envolvimento no escândalo
no caso Watergate.
Outra
cena que me chamou a atenção é quando a câmera segue por um cemitério enorme,
enquanto se ouve a música ‘The Unknown Soldier’.
Uma
famosa entrevista de Jim, quando ele fala que gostaria de fazer uma música que
fosse a pura “expressão da alegria”. Uma música que fosse a mais clara
“celebração da existência”. Tão fina e intensa como “a chegada da primavera”...
E segue numa reflexão filosófica sobre a existência, de estar no mundo e de não
se sentir nunca em casa, nunca relaxado. John, no final do seu livro, comenta
essa passagem. Diz que Jim nunca se sentiu em casa. Ou seja, é algo puramente
existencial.
Mais
cenas virão. Os Doors no metrô, Doors num show com forte presença de
estudantes, mais passeio de metrô, e show com as mais belas imagens de
“moonlight drive”.
Uma
passagem muito curiosa e muito interessante é a conversa que Jim teve com um
pastor protestante. Um pastor muito curioso. O que leva um pastor de uma Igreja
a procurar Jim Morrison? O que ele queria? Bem, muitas coisas podem fazer
sentido. Uma: Jim chamava a atenção da imprensa, como diz Ray, por ele ser
chamado de “o rei lagarto” e “rei do rock orgástico”, ou, como diz Jonh, “o
poeta-padre, como eles dizem”. Mas tem também o fato de The Doors ser uma banda
diferente de todas as demais. Melhor dizendo, não há nenhuma parecida ou
“fazendo coisa igual”, como disse Ray. Suas músicas chamam a atenção. Pode ser
que o pastor estivesse querendo converter Jim? Não é o que mostra a conversa
entre eles.
O
pastor demarca bem por onde quer seguir. Inicia falando da “experiência dos
discípulos” e, ao que parece, quer ligar isso a uma forma de comunicação.
Parece querer extrair daí um sentido paro o inicio da sua conversa com Jim.
Jim, “extremamente interessado em qualquer assunto e no conhecimento” como diz
Ray, John e suas biografias, diz que “pode tentar explicar qualquer coisa”. Jim
diz ao pastor que num show dos Doors, busca-se convocar as pessoas para “uma
espécie de experiência religiosa”. O pastor parece gostar dessa definição de
Jim. Jim continua levando o raciocínio ao inicio da conversa, que é a
“comunicação”. Diz que uma multidão em um show dos Doors torna possível uma
forma de “comunicação” dentro de determinado “momento”.
Jim
continua levando a conversa para um nível mais ...elevado. As coisas podem ser
explicadas, “qualquer coisa”; e, como deixou bem caracterizado, Jim está
enveredando, ao que parece, pela ideia do inconsciente [podemos pensar também
as questões dos sonhos em Shakespeare, em Borges, em Schopenhauer, todos de seu
conhecimento], quando diz ao pastor que “cinqüenta por cento é físico”. E o
resto? Como na psicologia/psicanálise, só sabemos daquele pouco que mostra a
ponta do Iceberg, a “consciência”. O restante nós não temos conhecimento,
porque está mergulhado nas profundezas do “inconsciente”, mas que se mostra de
uma forma nada convencional e/ou lógico. Porém, como explicar o resto? Qual é
sua natureza? Jim continua. Diz bem à maneira shakespeariana: “Há um outro
elemento inteiro do teatro” que não é físico, mas que é tão real para nós e que
e se junta para formar o inteiro.
O
pastor parece acompanhar o que Jim está tentando fundamentar em sua explicação.
Mas o pastor, pelo que vemos, já não o acompanha no raciocínio. Parece faltar
repertório [conhecimento] para fazer a conversa seguir, fluir. Recolhe-se para
mais próximo daquilo que ele recebeu dos seus superiores: “a vulgata teológica”.
Ou seja, uma teologia mais superficial e sem o acompanhamento dos outros
saberes. A conversa perde fôlego e o pastor fica com a impressão de que precisa
conversar mais com aquele homem “tão culto”. Quer saber como fazer para manter
contato com Jim.
Jim
passa o endereço e, sem mais, ele se despende do pastor, sempre bem ao seu
jeito, segundo Ray. Educado, cortês e polido.
Seguindo
em frente, mais um grande show. Acontece um incidente. Alguém atira uma cadeira
numa moça e fere seu rosto. Jim, bem humorado e conciliador, pede calma e
lembra para não esquecerem que estamos numa “democracia”.
Depois,
a partir de dentro de um avião, Jim recita um lindo poema seu. Profundo! Da vastidão
dos céus, nuvens com bordas fofas e escuras, o mar, a voz de Jim:
Air, Eatrh,
Fire, Water,
Mothers, Fathers, Sons and Daughters.
It has been said
That on birth we are trying to find
A proper womb
For the growth of our Buddha nature
And that on dying
We find a womb
In the tomb of the earth.
Mothers, Fathers, Sons and Daughters.
It has been said
That on birth we are trying to find
A proper womb
For the growth of our Buddha nature
And that on dying
We find a womb
In the tomb of the earth.
Uma
outra cena maravilhosa. Jim tocando uma Ode a Nietzsche. Maravilha.
Finaliza
com uma magistral performance de The End, onde Jim encena passagens quase
imperceptíveis para quem não conhece o teatro inspirado em Nietzsche e
Kierkegaard. MAGNIFICO. Coube tudo ali. Até o “inocente” John faz uma descrição
estupenda desse show, mostrando alguns pontos da cena que muita gente não
chegou a ver ou não percebeu. Um verdadeiro teatro - não no sentido grego - de
inspiração e força nietzschianas.
Resenha de Valquiria Asche de Paula