“Eu acredito na democracia”, afirma Jim Morrison. Essa defesa que ele fazia da democracia era recorrente. Numa ocasião, por conta de um pequeno acidente em um show dos Doors, como quem pedia calma para os seguranças, disse ele: “vivemos numa democracia”.
Afirmava que a liberdade era
necessária para o artista, e “o que estamos testando é a questão da liberdade
de expressão do artista”, disse ele. Mas não era bem isso que pensava o sistema
conservador da época, sempre pronto para coibir essas ideias de liberdade que
pregava Jim Morrison, de outros e como foi o caso da peça “The Living Theatre”,
nos anos 70, que, a partir de “Paradise Now”, peça divisora de águas na
história do grupo, Julian Beck e Judith Malina resolvem radicalizar ainda mais
e propõem um teatro que buscava toda a potência do viver, sentir e pensar.
De fato, a democracia é um
regime que assegura a liberdade, sendo ela própria, a liberdade, a prerrogativa
para uma sociedade verdadeiramente democrática.
Mas a verdadeira democracia só
se fortalece e se amplia com a participação de todos, para que não venha a ser
prerrogativa de alguns poucos decidir por muitos aquilo que pertence a todos.
Quando isso ocorre, quando se deixa que poucos decidam por nós, as piores
injustiças começam a acontecer. Foi o que afirmou Jim Morrison, lamentando a
passividade das pessoas:
“Lamento que tantas pessoas
vivam tão omissas e indiferentes, enquanto tantas injustiças estão
acontecendo”.
A alienação da conformidade
era algo que Jim Morrison não perdoava. Sua postura era de total inconformismo
com a acomodação que ele via nas pessoas. Dizia:
“Acho isso muito triste. É
quase como se as pessoas fossem programadas por alguma alta autoridade, desde o
nascimento até a morte, para viver uma existência bem ordenada e programada. É
trágico, cara. É trágico.”
A democracia, quando deixada
que poucos ou um grupo seletivo decidam tudo em nosso lugar, o Estado se
reduzirá a um grande aparato disciplinar, movendo toda a sua engrenagem
policialesca e repressiva contra o próprio indivíduo.
Jim Morrison costumava
defender sempre a democracia, mas deixava muito bem claro que falava de uma
democracia como forma de soberania popular, com a participação e decisão de
todos, ideia fundamental da democracia verdadeira, tal como dizia Rousseau, filósofo
que Jim Morrison havia estudado quando ainda estava na UFS – Universidade da
Flórida, antes de transferir-se para a UCLA.
A democracia como afirmação da
vontade de cada um, pensa Jim Morrison, pois, se eu passo a minha vontade para
a vontade de um outro, ele começa a passar por minha vontade, ou seja, ele vai
começar a agir em nome da minha vontade, sendo que ela é a vontade de um outro.
Jim Morrison convidava,
encorajava, apelava à coragem de cada um a pensar por si próprio, pois somente
ai a liberdade podia raiar. E somente ai podemos encontrar o terreno fértil
para a democracia plena, tal como ele defendia.
“Sabia que a melhor coisa
na vida é a liberdade”? “Sou o homem da liberdade, sou o homem da liberdade,
tal foi a sorte que tive”, recitou tenazmente para o público.
Podemos tudo quando estamos
juntos, afirmava ele. Uma afirmação que trazia em seu interior a capacidade de
quebrar os agenciamentos e os interditos formados pela clivagem dos indivíduos.
Essa forma de estar juntos, de podermos tudo quando agimos juntos, é o zênite
cabal que dá forma à democracia. Não podemos ceder a nada que quebre com essa
possibilidade de “erguermos juntos um novo campanário” de consagração à
forma de vivermos juntos. “Trata-se sempre de liberar a vida lá onde ela é
prisioneira”, como afirma Deleuze.
Sendo a democracia a forma
mais digna e mais plausível de se viver juntos, posto que ela assegura as
liberdades, como diz Jim Morrison, ela própria só pode ser assegurada com a
participação consciente dos indivíduos. Caso os indivíduos se resignem a uma “vida
de gado”, apassivados, alienados de suas próprias vontades, teremos deixado que
outros decidam por nós, que nos conduzam. Logo sentiremos o esmagamento desta
servidão.
Entretanto, para que não se
venha a cair em tamanha alienação, Jim Morrison afirma que “as pessoas
deveriam participar mais ativamente, ao invés de designar todo o seu poder a
uns poucos indivíduos”.
Jim Morrison via na democracia
plena o lugar onde habitava as possibilidades de recriar as múltiplas e
plásticas maneiras de vivenciar a liberdade necessária para abarcar
o continuum do tempo subjetivo de vivencia, tornado possíveis a
autonomia e a liberdade dos indivíduos e de segmentos da vida e das
subjetividades.
Nesse processo, revisitar os
limites e as proposições de Jim Morrison é sempre um convite ao inconformismo,
ao exercício da crítica, à capacidade de indignação, imersos no sensível
universo de uma arte que buscou retirar da letargia os seus fruidores [Patriota,
p.15]
Em todas essas instaurações
pensadas por Jim Morrison, reativa-se a função poética-política da vida como
forma de arte, produzindo uma resistência à tentativa de perverte-la.
Valquiria Asche de Paula –
formada em psicologia e mestranda em psicologia social [UFABC]
Zélia Siqueira –
jornalista e artista visual.
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